A cada passo, conquistas vitais para a manutenção de uma autonomia que teima em desafiar o tempo. Prestes a fazer 95 anos, Alda Simões da Mota Thomás já viveu mais que a média geral dos brasileiros. Segundo a última atualização do instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a expectativa de vida de pessoas nascidas no Brasil é de 75,5 anos. Mas não é só a longevidade da pernambucana que chama atenção. Quase centenária, ela consegue realizar sozinha ações simples do dia a dia, como caminhar, pentear o cabelo e se alimentar. Realidade que preserva um certo nível de atividade em sua rotina e demonstra o quanto manter a cabeça e o corpo em movimento, por meio da orientação de profissionais, pode ser o caminho para envelhecer sem tantas limitações. Nascida em 1922, Alda sempre contou à família que o pai era um homem à frente do seu tempo. "Meu avô só deixou as filhas casarem depois que se formaram. Acho que isso ajudou muito minha mãe a ter tido uma vida ativa", contou a filha de Alda, Elda Thomás.

Formada em ciências contábeis, Alda só se casou aos 26 anos, idade inimaginável para uma mulher nos padrões da década de 1920. Três anos depois, a união foi bruscamente interrompida. "Eu tinha um ano e a minha mãe estava grávida do meu irmão quando meu pai (que era militar) sofreu um acidente no quartel. Ele ainda passou dois meses internado e chegou a ver meu irmão. Mas acabou falecendo", contou Elda. Consumida pela tristeza, Alda retornou à casa do pai. Ela emendava dias em noites de lágrimas. "Foi quando meu avô disse que ela ia trabalhar com ele para se ocupar. Logo ela também viu que a pensão militar da época não dava para criar, sozinha, dois filhos. Foi aí que passou em um concurso público e trabalhou até se aposentar como servidora da UFPE", relatou Elda.

Depois que venceu todas as batalhas para criar os dois filhos sozinha, Alda passou a viver uma rotina mais dinâmica. Antes mesmo da aposentadoria, procurava fazer caminhadas diárias. Quando parou de trabalhar, preencheu o tempo livre com uma série de atividades. Começou a fazer trabalho voluntário, a praticar jardinagem, colagem e acrescentou o pilates à rotina de exercícios. A pernambucana tentou ainda aprender a falar inglês e a tocar violão.

MOVIMENTO

"Acho que o segredo dela foi nunca ter parado. Mamãe sempre manteve a rotina de exercícios e trabalhos que mexessem com a mente, isso foi importante. Ela é um exemplo para toda família. Pela vida que levou, sem nunca ter reclamado de nada", opinou Elda. Quando Alda adentrou os 90 anos, passou a contar com o trabalho da fisioterapeuta Edja Mendes. "Eu a atendo quatro vezes por semana. Em dois dias, fazemos mobilização, alongamento, força e equilíbrio. Nos outros dois, faço metade dessas atividades e a massagem. Isso ela adora. Passa a semana esperando. Tudo para manter a mobilidade. Nessa fase da vida, é natural as perdas se acentuarem. Com o passar dos anos, a gente perde tônus muscular, massa óssea e mobilidade articular. O objetivo é frear um pouco esse processo para que ela continue tendo qualidade de vida", contou Edja.

Há dois anos, Alda costumava presentear a fisioterapeuta com livros manuscritos por ela mesma. "Infelizmente essa foi uma perda. Mas, com os atendimentos no padrão funcional, simulando atividades do dia a dia, ela tem nível razoável de autonomia. Às vezes, não é fácil, o idoso resiste, acha que já está velho demais, que não precisa fazer mais nada e se entrega. Com carinho e algum jogo de cintura, porém, a gente consegue motivá-los", completou Edja.

Remédio natural contra depressão

O envelhecimento é um processo natural da vida. Aos poucos se perde força, potência muscular, memória e o corpo apresenta sinais de limitação e falha. A vulnerabilidade física se reúne à fragilidade emocional. Na maioria dos casos, os sintomas são inevitáveis e culminam no quadro de depressão. Psiquiatras e profissionais de educação física ressaltam que é comum a doença se instalar em idosos. No entanto, existe um remédio natural que pode reduzir ou evitar seu surgimento: a atividade física.

Pessoas na terceira idade também se deparam com questões cruciais: perda de pessoas queridas, idade avançada, aposentadoria e solidão após a saída dos filhos de casa. As mudanças físicas e sociais, juntas, contribuem para a vulnerabilidade do idoso.

Quem explica é o psiquiatra Rafael Braga. "Ele se percebe limitado e inseguro após essas mudanças, o que pode culminar em um quadro de depressão. Desânimo e falta de motivação fazem com que o corpo reduza a produção de serotonina e endorfina, hormônios responsáveis pelo bom humor, bem-estar, sensação de prazer. É nesse ponto que a atividade física entra como forte aliado no combate à doença", esclarece Braga, médico psiquiatra assistente do Espaço Rizoma, no Poço da Panela.

Não há restrição de faixa etária. Exercício físico é legal para todas as idades porque estimula vários aspectos sociais, físicos e, sobretudo, libera endorfina e serotonina. As duas substâncias são produzidas pelo organismo e têm funções similares no funcionamento do corpo. Trabalham em conjunto para proporcionar bem-estar, bom humor, prazer e disposição para encarar qualquer tipo de situação.

O profissional de educação física Jéfter Campos reúne experiência e alunos da terceira idade. E sabe da importância dos exercícios de força, equilíbrio e coordenação motora para readquirir independência. "A atividade física faz com que o idoso se sinta bem, talvez seja o único momento do dia em que ele vai se sentir bem. Em uma aula, ele estará em conjunto, compartilhando suas dificuldades com outras pessoas e sendo estimulado a continuar os exercícios, não desistir e sempre se esforçar um pouquinho mais. Além de ser acolhido por um grupo, a liberação hormonal ajuda nos momentos de ansiedade. Atividade física é um remédio que mexe com o bem-estar e não tem efeito colateral", destaca Jéfter Campos.

Fique por dentro

  O que é depressão?

De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), é um estado persistente de fragilidade emocional que culmina em um longo período de tristeza, perda de interesse em se divertir, insônia ou excesso de sono, baixa autoestima e extrema dificuldade em encarar a vida pessoal e profissional.

  Causas da depressão

É uma doença que pode se instalar em qualquer pessoa de qualquer idade. Existem fatores endógenos e exógenos que contribuem para a confirmação do diagnóstico. Na maioria dos casos, a depressão inicia após um trauma sofrido na vida e agravado pela produção ineficiente dos hormônios, como serotonina e endorfina, substâncias responsáveis pelo bem-estar, bom humor e sensação de prazer.

   Na terceira idade

O processo de envelhecimento carrega uma série de mudanças físicas e sociais. Além das limitações do corpo, a vida traz momentos como aposentadoria, saída dos filhos de casa e perda de pessoas queridas. Na maioria dos casos, essas mudanças podem contribuir para uma maior vulnerabilidade do idoso e culminar em uma depressão.

   No organismo

É uma questão de química do corpo humano. Ele produz neurotransmissores que atuam diretamente no funcionamento do organismo. A serotonina e a endorfina, conhecidos como hormônios da felicidade, são as substâncias responsáveis pelo bom humor e bem-estar. Pesquisas comprovam que o desequilíbrio nós níveis desses neurotransmissores pode culminar em um quadro de depressão.

   Benefícios da atividade física

1) Liberação de serotonina e endorfina

2) Maior disposição e resistência

3) Interação social com pessoas de várias idades

4) Fortalecimento muscular e aumento da densidade óssea

5) Prevenção de lesões

6) Melhora o equilíbrio e a coordenação motora

7) Proporciona mais autonomia e segurança

8) Ajuda no controle de doenças Como diabetes, artrite, artrose, hipertensão, etc.

9) Controla o peso corporal

10) Reduz as dores e o consumo de remédios

 

Um “velhinho” simpático

Especialistas são taxativos ao afirmar que, entre outros cuidados, o bom envelhecimento passa por uma vida de atividade física, orientada por profissionais de educação física, e boa alimentação. Apesar dessa informação ser massificada, nem todo mundo consegue fazer dessas condutas um estilo de vida. Quem adota os hábitos em definitivo costuma usufruir não só dos aspectos estéticos, vinculados à rotina saudável, como também dá um passo importante rumo à longevidade.

"Digo a minha esposa que sou um velhinho simpático. Ela não gosta muito", costuma brincar o corretor de imóveis Alexandre Bernardes, entre risos. Aos 61 anos, ele já se acostumou com a expressão de surpresa de quem não o conhece quando sua idade é revelada. Alexandre conserva corpo esbelto, com massa muscular preservada por uma rotina semelhante à de atletas. "Todos os dias, chego à academia às 5h, apesar de só abrir às 5h3o. Essa meia hora é para fazer o 'social'. Treino de segunda a sexta e, nos fins de semanas e feriados, jogo tênis", conta.

Apesar de fazer musculação regularmente, com o auxílio dos professores da academia, a atividade só entrou em sua vida de maneira tardia. Nascido em Palmares, na Zona da Mata Sul de Pernambuco, Alexandre teve os primeiros contatos com os exercícios ainda criança. "Desde garoto, no interior, minha vida era bater bola. O esporte mais barato era o futebol. Quando migrei para o Recife com 13 anos, comecei a fazer atletismo e a jogar vôlei de praia. Academia passei a frequentar já velho, com 31 anos, depois de uma lesão que eu tive no futebol. Entrei para fortalecer a musculatura. Gostei e não parei. Inicialmente, por uma questão de saúde, depois por vaidade, que é inerente à própria idade”, relata.

A musculação continuou sendo praticada junto a outras modalidades até que, em 2010, pelo excesso de sol no vôlei de praia, Alexandre precisou retirar um pequeno câncer de pele do rosto. "Com a extração, o médico disse que eu ia ter de ficar seis meses sem tomar sol. E eu achei inconcebível, fora a academia, ficar seis meses sem fazer uma atividade esportiva nos fins de semana. Aí, eu vi o Federer (Roger) jogando na TV. Foi meu erro. Pensei, poxa, como é fácil jogar tênis. Meu Deus do céu, hoje ainda estou aprendendo o saque, depois de sete trios", comenta.

No que diz respeito à alimentação, o corretor de imóveis também é disciplinado. Frutas, legumes, verduras e cereais integrais compõem o seu cardápio. Doces, frituras, bebidas alcoólicas e refrigerantes foram completamente banidos da dieta. O tabagismo também está fora de questão. "Uma vez, eu e a minha esposa achamos que estávamos ficando meio antissociais por causa do nosso estilo de vida. Aí falei com um amigo que entende de vinhos, e ela, com uma amiga que conhecia queijos finos. Botamos nossos filhos para dormir cedo (eles têm um casal de gêmeos) e começamos a nossa noite. Bebemos a primeira taça. Não gostamos muito. Na segunda, deu sono. Fomos dormir e a noite acabou. No outro dia, veio uma dor de cabeça danada. Aí resolvemos continuar antissociais mesmo", admite.

Cheio de jovialidade e alegria, Alexandre diz que se sente com 30 anos. Apesar de ter a idade de alguém já idoso, não usa dessa prerrogativa. Exceto uma vez. Atrasado, entrou na fila preferencial de uma padaria. Levou uma bronca dos demais velhinhos, mas permaneceu lá. Pegou as compras encomendadas pela mulher e saiu rindo sozinho, sentindo que ganhou o dia.

Mais disposição e resistência

"Tenho 87 anos e me sinto disposta como uma pessoa de 40." A declaração é de Rita Dantas Mala que frequenta a academia quatro vezes na semana e garante que ama praticar atividade física. "Ganho mais resistência e disposição para viver", completa. Ela faz parte da população idosa ativa, que dribla as consequências da idade avançada com maestria.

Como a maioria das pessoas, dona Rita prefere começar o dia com doses de endorfina proporcionadas pelo exercício. Chega à academia desfilando, conversa com as colegas para depois se concentrar na ficha de exercícios. Segue à risca as orientações do treinador.

O profissional de educação física Jones Santos ressaltou que idosos como dona Rita possuem vantagens físicas e sociais que os sedentários desconhecem. "Eles ganham mais segurança, autonomia e funcionalidade, características que vão decaindo ao longo do tempo. A atividade física consegue desacelerar esse processo de perda de força e equilíbrio e restaura a qualidade de vida. No âmbito social, eles compartilham situações com pessoas de várias idades. Essa relação faz com que se sintam bem, acolhidos por um grupo do qual fazem parte", comenta.

As amigas Maria Cristina, 62 anos, e Maria José, 68, são exemplos de como a atividade física oferece benefícios aos idosos. Elas se conheceram nas aulas de pilates e construíram uma relação que hoje ultrapassa as paredes do estúdio. Frequentam as aulas duas vezes na semana e ainda organizam o tempo para praticar outras atividades. Maria Cristina preenche suas manhãs com hidroginástica e caminhadas. Domingo é o único dia de descanso. Ela garante que a rotina é muito prazerosa e o pilates conseguiu curar sua labirintite. "Antes eu precisava tomar muitos remédios para controlar os sintomas, hoje eu não tomo mais nada e me sinto ótima. Depois que entrei no pilates tudo melhorou", falou Cristina.

Já Maria José ama dançar e procurou o pilates por uma indicação médica. Precisava realizar algum exercício para fortalecer a musculatura e reduzir as dores da artrose nos ombros. "Não gosto de musculação, mas me encontrei no pilates. É uma atividade muito prazerosa e não sinto mais dores. Mas a melhor coisa da vida é dançar", enfatizou. Aos 68 anos, ela frequenta uma academia de dança duas vezes por semana e encontra os amigos em algum restaurante, aos sábados ou domingos.

Fonte: Folha de São Paulo