Quando era pequeno, Alexandre Martinez escutava a avó conversando com as plantas. “Tá doida, vó?”, perguntava. Depois, passou a ajudá-la no ofício –e essas plantas, em Limeira (151 km de São Paulo), eram tão admiradas que atraía até quem pedisse para compra-las. Hoje, aos 41, esse morador de rua com as mãos sujas de terra é quem mais conversa com as “meninas” que plantou em uma praça no centro de São Paulo. Sozinho, ele revitalizou em três meses o pequeno espaço na esquina das avenidas São João e Duque de Caxias. Martinez substituiu o lixo e o entulho por canteiros com pau-brasil, palmeira, bananeira, abacateiro. Também plantou boldo, batata doce, feijão, pimenta, cebolinha e plantas decorativas como a espada-de-são-jorge. Nesta segunda (20), foi a vez do chuchu.

O centro da praça agora tem um vaso que ele encontrou em uma caçamba e uma cesta de lixo –a única do local- que ele mesmo pendurou em um poste. As paredes, pichadas, ele pintou com tinta presenteada por um carroceiro –sem pincel, mas com a espuma de um colchão. Com uma pequena faca de cozinha, vai limpando as plantas no solo. Aponta para pontos em que algumas foram arrancadas por outras pessoas. Mas afunda as mãos na terra e diz: “Se plantei, tenho que cuidar. São minhas meninas”. E o faz com delicadeza. “Mó deselegância, amigo, não precisa disso”, comenta quando um morador dali urina no pé de um dos coqueiros.

Moradores do entorno reparam na mudança gradual da praça e elogiam o autor das alterações –na tarde em que a reportagem passou com ele, nesta segunda, três pessoas passaram para felicitá-lo espontaneamente. “Ele não para. É uma máquina. Observo ele dia e noite, desde janeiro. O rapaz tem talento”, diz Maria do Socorro dos Santos, 61.

Outra senhora passa e pergunta se ele quer algumas mudas. “Opa, aceito”, responde o jardineiro. “Ele é uma pessoa muito organizada, caprichosa. É um prazer passar por aqui agora”, diz ela, Ciralva Pereira, 71. “Antes eu precisava limpar todos os dias. Agora não preciso mais”, afirma a gari Maria das Neves Silva, 65. “Melhorou 100%. Eu o parabenizo”. “Não faço isso por dinheiro nem por glória. Faço para controlar minha ansiedade”, diz Martinez. “Tentei melhorar a praça. E daí, com isso, deixei de fumar um cigarro. Depois, deixei de usar uma droga. Preenche minha cabeça e meu tempo”, diz, mostrando na carteira uma pedra de crack, enrolada em um pedaço de papel. “Por estar cuidando das plantas hoje, não estou fumando isso”.

JARDINEIRO     

Depois de Limeira, Martinez retomou sua experiência como jardineiro em Maresias, no litoral norte de São Paulo, conta, colocando para trás das orelhas os cabelos compridos e encaracolados. Aos 19 anos, despediu-se da avó, que o criou (a mãe morreu quando ele tinha sete anos), foi para a praia sem dinheiro no bolso. Ao vê-lo dormindo em uma praça, um homem o contratou para fazer bicos de jardinagem. Pegou gosto. Durante cinco anos, “trabalhava três dias e ficava um na praia, fumando maconha e surfando”.

Depois, foi para Salvador, onde trabalhou como garçom. Quando chegou a São Paulo, já viciado em crack, conheceu na boate Lovestory, no centro da cidade, aquela que atualmente é sua ex-mulher. A tatuagem no braço, “Nicole, amor eterno”, denuncia: tiveram uma filha, hoje com 11 anos, “olhos azuis como os meus e loira como a mãe”, diz ele, que a vê quando se considera arrumado e bem. No começo do ano, Martinez morava na praça 14 Bis, onde o prefeito João Doria (PSDB) inaugurou seu programa de zeladoria Cidade Linda. Incomodado com a lona verde que a prefeitura colocou sob o viaduto Plínio de Queiroz, escondendo os moradores de rua, migrou para a praça Duque de Caxias. Há duas semanas, deixou de dormir ali para alugar um quarto na cracolândia (região da Luz) por R$ 25 a noite. “Volto para a praça de dois em dois dias, quando não chove”, diz ele. Rega as plantas com água que vaza de um prédio próximo dali. As mudas são doadas ou colhidas de outros canteiros –e é assim também que recebe renda suficiente para pagar sua hospedagem. Outras vezes vende na cracolândia frutas caídas de carregamentos.

Materiais foram presenteados, como a vassoura e uma enxada, que ele diz sentir falta –foi confiscada pela GCM (Guarda Civil Metropolitana), segundo conta, resignado. Mas ele queria mesmo era uma barraca, para voltar a dormir na praça e cuidar das plantas. “Quando levanto, agradeço todos os dias por mais um dia”, afirma. “E como posso ir embora? Daqui a pouco tem festa junina e vou querer provar da minha batata doce”, brinca, sorrindo.   

Fonte: Folha de São Paulo