O Landau cinza de capota preta está estacionado logo que se passa pela porta de vidro deixando a Avenida Paulista e entrando no Instituto Itaú Cultural. No para-brisa são projetadas imagens de Recife e Olinda. São paisagens urbanas e humanas de cidades em efervescência. “A cidade não para, a cidade só cresce. O de cima sobre, o debaixo desce”. Uma voz inconfundível canta as mazelas do dia anterior, enquanto o público mergulha num universo que quem mora naquela que já foi a quarta pior capital do mundo conhece muito bem. É como se fosse um filme, no qual o passado se projeta no presente, que se deve visitar a Ocupação Chico Science, que abre a série promovida pelo instituto paulista em 2010, inaugurada quarta–feira (03).

Não se trata um projeto para mitificar o mangueboy precocemente falecido num acidente de automóvel quando ia para brincar no Carnaval, há exatos 13 anos (completados ontem). O importante é vivenciar e refletir sobre uma cena cultural que transformou uma geração de jovens que vivia na capital pernambucana nos anos 90 e sacudiu a cultura pop brasileira – da qual Chico Science foi um dos protagonistas. “O projeto procurou recriar o universo criativo de Chico Science, e o ambiente urbano onde ele viveu”, diz a jornalista pernambucana Ana de Fátima, gerente do Núcleo de Comunicação do Itaú Cultural.

No centro da exposição fica o espaço das relíquias pessoais de Chico. Após passar por uma parede com porta-retratos do artista e atravessar uma cortina que remete aos cocares de maracatu, entra-se numa sala onde estão os cadernos de anotações, projetos (como o de gravar com os Beastie Boys e Siba Veloso) e agendas com letras de músicas assinadas por Chico Vulgo (um dos seus heterônimos). O lugar guarda ainda mapa de palco, desenhos, óculos, roupas, bonecos e discos (ele estava ouvindo muito jungle e trip hop nos últimos meses de vida). Os objetos foram cedidos pela família França – a mãe de Chico, dona Rita, a irmã e guardiã Goretti e a filha Louise Science, que ajudaram a curadoria no processo de pesquisa.

A música de Chico Science ecoa por todo o espaço do hall do Itaú Cultural. “É uma pegada que não envelhece. Até hoje é uma música contemporânea”, diz Edson Natale. A roupa de maracatu que ele usava nos shows está logo na entrada. Uma das paredes reproduz os cartazes, panfletos, pôsteres e flyers de divulgação de Chico Science – desde uma festinha com a Loustal (que formaria a base da Nação Zumbi) até os shows da última excursão à Europa e Estados Unidos. O material foi cedido por Paulo André, que colecionava tudo, gravou várias horas de entrevistas e tirou muitas fotos, durante os shows e turnês, usadas na Ocupação Chico Science. Em outra parede está o primeiro manifesto escrito por Fred Zeroquatro, para divulgar as ideias do movimento mangue, e publicado no encarte do disco Da lama ao caos.

 “A Ocupação Chico Science procura mostrar como foi intenso aquele momento, como ele mudou o Recife e como rebate na música e na cultura brasileira até os dias hoje”, complementa Edson Natale. Ele cita como exemplo o painel que Derlon grafitou especialmente para o projeto, retratando o mangue do Recife e a antena parabólica das casas da periferia. “Muitos jovens não conseguem perceber esta influência. Chico era mesmo esta antena que conseguia captar o que acontecia e, por ser mais expansivo, representou com maior intensidade aquele momento”, diz Natale, para quem a montagem do projeto foi mais desafiadora, pelo fato de não conhecer tão de perto a cena do Recife.