Após curso, ex-detentos começam caminho da ressocialização
Ele buscava cocaína na Bolívia, vendia para atacadistas brasileiros e faturava ao menos R$ 50 mil/mês. Foi preso, cumpriu pena e, após ser solto, voltou à atividade criminosa por mais nove anos, até ser detido pela segunda vez. Viu a maior parte dos criminosos que atuavam com ele morrerem e, por isso, considera-se “um sobrevivente, em busca de um recomeço”. Deixou a prisão em janeiro. Virou microempresário e, da vida de luxo da época do crime, não sobrou nada.
Já ela começou a vender drogas após o ex-marido, preso por tráfico, sugerir o crime como forma de pagar as contas e manter os quatro filhos do casal. Presa em casa, diz não ter ganhado dinheiro algum com o tráfico e que a cadeia é o pior lugar do mundo, por deixa-la longe da família. Em comum, ambos fizeram cursos profissionalizantes nas prisões, cumprem hoje pena no regime aberto, buscam uma nova vida após deixar as grades e afirmam que estão regenerados.
Ele é Luiz Afonso da Costa, 55, que diz se contentar com os R$ 1.000 de renda média que passou a ter com serviços como eletricista, pintor e encanador, após cursos que fez no período em que ficou preso no CR (Centro de Ressocialização) de Araçatuba, interior paulista. Ela é Taize de Fátima Santos Amaral, 24, que passou nove meses detida, tempo suficiente para estudar pintura e hidráulica no CR de São José do Rio Preto (SP). “Recomecei a vida. É tarde? É. Perdi muito tempo, mas a família, principalmente, a idade e o tempo que passei no CR me fizeram mudar. Tive apoio psicológico, médico, concluí o ensino médio e fiz o Enem. A chance de eu voltar pro crime é de -10%”, disse Costa.
Embora em liberdade, ele cumpre pena no regime aberto até 2021. Foi preso pela primeira vez em 1995, em mato Grosso do Sul, com 7 kg de cocaína. Condenado a seis anos de prisão, cumpriu quase quatro no regime fechado. Voltou a ser preso em 2011 na rodoviária da cidade, com 2 kg de cocaína, e condenado a 10 anos e 8 meses de prisão, dos quais a metade cumpriu no regime fechado, além de um período no semiaberto. “Hoje, não ganho quase nada. Estou começando. Abri minha firma e não me arrependo”, afirma. “Só que tem de preservar muito, blindar a mente e ter apoio. Se encontrar uma pessoa errada na hora errada, já era”.
Seu patrimônio é composto por uma casa, um veículo ano 1998 e uma moto. Ao sair da prisão, conta que foi procurado por antigos fornecedores de droga, porém recusou. “É uma opção. Ter feito os cursos, estudado e visto que é possível mudar de vida mudaram minha cabeça. No CR, não gastei nada até montar os pedidos que fiz a justiça.” A prisão tem 220 vagas e abriga 236 detentos, dos quais 160 trabalham e 130 cursam ensino fundamental ou médio, afirma o diretor técnico José Antônio Rodrigues Filho.
Taize ocupou manhãs e tardes de um mês de sua pena com cursos de pintura e hidráulica, o que serviu, diz, para amenizar a distância dos quatro filhos “de dois a sete anos” e a pensar em não mais se envolver com o crime. Presa em casa em março de 2016 com 103 gramas de cocaína e 178,1 de crack, deixou a prisão em 9 de dezembro e agora procura um emprego. “Deu certo porque fui para o CR e lá é para quem quer mudança de vida. O pior de tudo foi ficar sem ver os filhos”. O “erro”, como ela define, foi ter reclamado com o pai das crianças que não conseguia emprego. “Conversei com pessoas que ele indicou e aceitei [vender drogas].” Foram duas semanas de envolvimento, até ser presa. Ao sair, conseguiu uma vaga no setor de limpeza de uma faculdade, mas perdeu-o após licença médica.
Sua pena no regime aberto acaba em novembro –ter trabalho é requisito para seguir em liberdade. “Quando ganhei a liberdade, os quatro filhos foram me buscar. Ver que eles sofreram fez ter a certeza de que não vale a pena”.
Fonte: Folha de São Paulo