Profissões populares pedem formação além da Faculdade
Quase metade das matrículas no ensino superior no Brasil se concentra em apenas dez cursos, entre eles direito, administração e engenharia, segundo dados do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), divulgados no fim de 2016. Não por acaso, as vagas mais disputadas no mercado de trabalho são justamente as que estão relacionadas com as formações populares. Um posto de engenheiro civil, por exemplo, recebe 2,4 vezes mais candidaturas que outras vagas no mesmo setor, de acordo com levantamento da recrutadora Page Personnel. O de planejador tributário, formado em administração ou direito, tem duas vezes mais candidatos que a média da área fiscal. Só nessas três graduações há 1,9 milhão de alunos matriculados em todo o país. Como se destacar na multidão?
Para Renato Ferreira, chefe da coordenadoria de colocação profissional da FGV (Fundação Getulio Vargas) não basta tirar boas notas. “O jovem precisa ter cartas na manga: boas competências comportamentais, como atitude positiva, liderança e persuasão, além de participar de iniciações científicas ou empresas juniores e falar outros idiomas”, afirma. Segundo ele, antes de buscar uma vaga é preciso muito mais do que preencher o currículo. “Tem que sair da bolha do curso e gostar de viagens, arte ou tecnologia. Quem tem uma vida interessante se destaca.” A estudante de administração Bruna Baltas, 20, da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), planeja fazer intercâmbio para se sobressair. “Quero trabalhar com marketing, mas para isso meu currículo precisa ter diferenciais, com ter morado fora do Brasil um tempo”, diz.
Esforço
Karina Tomelin, coordenadora do Núcleo de Apoio Discente-Docente da FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), explica que o jovem deve buscar por conta própria oportunidades dentro e fora da instituição, como cursos online, eventos e laboratórios especializados. A estudante de psicologia Bianca Cordeiro, 29, da FMU, já participou do centro acadêmico, fez iniciação científica e foi auxiliar do professor em uma matéria. “Nem todo mundo quer trabalhar mais, mas acho que é preciso buscar aperfeiçoamento além do curso para entender como aplicá-lo no mercado de trabalho”, diz. Cordeiro, empregada na área de marketing, pretende prestar um mestrado no futuro.
Uma boa atitude ajuda não apenas a conseguir uma oportunidade, como a mantê-la, segundo Elias Pozenato, coordenador do curso de administração na USJT (Universidade São Judas Tadeu). “Não basta ser uma ‘mente brilhante’, é preciso saber trabalhar em equipe e antecipar tendências e necessidades de mercado”, afirma. Quem não faz questão de seguir uma carreira mais concorrida pode escolher carreiras com menor percepção de prestígio, mas mais potencial, de acordo com Tânia Casado, professora da USP e da FIA (Fundação Instituto de Administração). Alguns setores promissores nos próximos anos, para bacharéis e tecnólogos, são tecnologia da informação, energia, agronomia e ciências do meio ambiente.
Cresça e apareça
Como se destacar em um ambiente competitivo?
Recrutamento – Evite termos batidos para se descrever, como “estratégico”, “criativo”, e “inovador”, usados em excesso, segundo pesquisa deste ano do LinkedIn.
Idiomas – Hoje, falar outra língua é fundamental para avançar na carreira. Invista em cursos de inglês ou espanhol para melhorar o currículo e complementar a formação.
Esforço – Além de um bom desempenho acadêmico, envolva-se com atividades fora da faculdade, como eventos, workshops e cursos livres.
Educação – Boa atitude é indispensável: os RHs contratam pelo currículo, mas demitem pelo comportamento. Aprenda a trabalhar em equipe, ouvir críticas e colaborar.
Interesse – Não deixe de lado seus hobbies, que também podem ajudar no desenvolvimento pessoal e são úteis para acumular novos conhecimentos.
Sociabilidade – Estabeleça uma rede de contatos ainda durante a graduação e fortaleça-a sempre que possível, já que esses relacionamentos podem ser fundamentais.
Interesse pessoal é mais importante do que tradição
A escolha de uma carreira deve se basear no interesse pela área e na formação pregressa, e não no status ou na tradição do curso, de acordo com Tânia Casado, especialista em gestão de carreiras e professora da FIA (Fundação Instituto de Administração) e da USP. “O Brasil é o país do ‘doutor’, e esses cursos podem trazer uma percepção de status, mas cada vez mais o retorno sobre esse investimento é incerto, pela grande oferta de profissionais”, afirma. Muitos optam por formações tradicionais pela possibilidade de atuação mais variada, segundo Renato Ferreira, chefe da coordenadoria de colocação profissional da FGV (Fundação Getulio Vargas).
A estudante Larissa Menezes, 18, foi atraída para o curso de direito pela suposta estabilidade e chance de trabalhar em diversas áreas. “Ouvia dos parentes advogados que não ia ficar desempregada, mas agora vejo que não tinha interesse genuíno na profissão”, diz. Depois de um ano de curso e seis meses de desgosto, Menezes tomou a decisão de trancar a matrícula, sob protestos do pai, e escolheu uma graduação mais adequada a seus interesses, mas ainda umas das mais preferidas nas universidades: engenharia civil. “Hoje sei que não dá para escolher a faculdade só pela chance de um dia me empregar por causa dela.”
Áreas tradicionais são vistas como uma garantia de segurança até mesmo pela família, que privilegia esse tipo de formação para os filhos indecisos, segundo Cristiane Alperstedt, diretora de regulação acadêmica da Universidade Anhembi Morumbi. Status e estabilidade à parte, a escolha de uma profissão deve também levar em conta experiências educacionais e pessoais pregressas, além de pesquisas por conta própria, para identificar se há aptidão com as disciplinas da faculdade, diz Ferreira.
O estudante Emanoel Luiz, 23, cursa administração na Anhanguera e diz estar seguro de que escolheu a área certa. “Prestei porque acredito que o curso traz valores para a sociedade, como por exemplo o empreendedorismo e as novas lideranças empresariais”, diz. Antes de prestar o vestibular, Luiz fez pesquisas, leu livros e ouviu podcasts sobre a graduação.
Fonte: Folha de São Paulo