Especialista em desnutrição e aleitamento concede entrevista
Em comemoração a Semana Mundial do Aleitamento Materno, a Faculdade Asces, em parceria com a prefeitura de Caruaru, realiza diversas atividades. Na programação, o médico Malaquias Batista, doutor em saúde pública pela USP, participou do evento na condição de palestrante. Ele acumula também experiênica como sanitarista, é especialista em saúde coletiva, pesquisador na área de alimentação e nutrição e referência em nutrição infantil no Brasil. O educador falou sobre o aleitamento materno e a alimentação da criança de maneira geral sobre uma perspectiva de desenvolvimento humano, e não simplesmente o ato de comer, mas o conjunto de direitos à alimentação que constitui um mandato da cidadania.
Portal Asces – Qual a importância do mundo comemorar a Semana Mundial de Aleitamento Materno?
Malaquias Batista – O problema do aleitamento materno tornou-se crucial para a saúde das crianças e das mães nos tempos atuais. Há uma série de inconsequências que só agora o homem percebeu, depois de experiências equivocadas utilizando leite artificial, por isso temos que resgatar as práticas saudáveis do aleitamento materno. Esse é um comportamento cultural e agora é um grande problema colocar na cabeça das pessoas que a bebida boa em termos de saúde é o aleitamento materno. Por isso há necessidade de se fazer semanas e até mesmo dias sobre a importância do aleitamento materno.
Portal Asces – Quais os benefícios do aleitamento materno?
Malaquias Batista – Para a mãe um dos benefícios é reduzir o risco de câncer de mama; perda de peso, cerca de seis quilos durante a amamentação, reduzindo assim a obesidade. Para as crianças é o alimento mais saudável na infância, reduz o risco de infecções diversas e cai muito a mortalidade infantil, reduzindo cerca de 20 vezes o risco nos primeiros meses de vida. As crianças que não mamam, no futuro vão ter maior risco de contrair doenças antecipadas, precocemente, como diabetes, obesidade, doenças cardiovascular, infecção respiratória e meningite.
Portal Asces – Por que algumas mulheres têm preconceitos em amamentar?
Malaquias Batista – Ainda existe preconceito porque se tem a ideia que a amamentação leva aos chamados "seios flácidos" (seria uma questão estética), de certa maneira existe uma mitificação, até mesmo porque isso não acontece. Isso acontece por conta da imagem que se ver na população indígena e de baixa renda, na qual a mãe amamenta e se desnutre, consequentemente o corpo e o seio ficam deformados. Mas se generalizou como se isso fosse decorrente da amamentação.
Portal Asces – Somos um país de grandes dimensões territoriais e de terras férteis e ainda assim sofremos com a fome e a desnutrição, por que disto?
Malaquias Batista – A desnutrição propriamente dita já caiu muito, a expectativa é do ponto de vista populacional e não individual, aqui ou acolá acontece de crianças chegarem à desnutrição grave (mas isso é uma situação muito particular), o que não caiu foi a anemia (deficiência da vitamina A e de zinco). O problema da desnutrição não é apenas de oferta de alimentos é uma série de consequências e conceitos errados sobre alimentação. As crianças hoje estão ficando precocemente obesas e esse é um problema muito sério e também aumentando a anemia e isso é uma questão de hábitos culturais. O Brasil além de ter muitas terras produz muito alimento, mas esse alimento não chega para todo mundo, a distribuição é um problema por conta de impedimentos econômicos. Temos uma parcela considerada da população que vive com um nível de renda que dificulta as suas condições de vida e de amamentação, por outro lado, as doenças agregadas aparecem por conta da desnutrição, agravando a situação.
Portal Asces – O senhor é um dos autores da proposta da Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Como funciona e, na prática, no que vai beneficiar a população?
Malaquias Batista – Como política, a ideia é que tenhamos uma produção de alimento em quantidade, qualidade e diversificação capaz de atender às necessidades potenciais da população. Um dos componentes da política é efetivamente a disponibilidade de alimento que passa fundamentalmente pela produção, o segundo aspecto da política é o consumo dos alimentos e com relação a esse item, tem duas questões básicas: uma é a renda para população comprar alimentos, a segunda coisa é promover hábitos alimentares saudáveis, vivemos numa queda de braço permanente contra as indústrias e os comércios de alimentos que tentam vender produtos por interesses de mercado do que propriamente por conta do valor nutricional das crianças e da população. Finalmente, a política deve cuidar do aspecto de saúde da população, vacinas contra sarampo, tuberculose, meningite e coqueluche. Na medida em que existir uma política de saúde voltada para prevenção das doenças que comprometem o estado de nutrição, estaremos construindo um terceiro pilar de uma política de segurança alimentar na possibilidade de um aproveitamento adequado dos nutrientes por conta de uma fisiologia corporal adequada.
Portal Asces – Por que o Nordeste do país ainda sofre tanto com a desnutrição?
Malaquias Batista – Por que o Nordeste é a região mais pobre do Brasil. A explicação é simples, o mapa da pobreza está exatamente aqui e aí os problemas nutricionais se espalham pela região.
Portal Asces – A fome está ligada diretamente com a falta de dinheiro?
Malaquias Batista – Sem dúvida está ligado sim, dificilmente uma família que tem acima de dois salários mínimos tem desnutrição por conta da deficiência primária de alimentação. Hoje as famílias são pequenas e os pais geralmente trabalham, melhorando as condições de renda.
Portal Asces – Quem foi Josué de Castro, o que ele significa para o senhor e o que suas ideias e estudos influenciaram na luta contra a fome?
Malaquias Batista – Foi um Pernambucano pioneiro nas questões sobre a fome, ele viveu numa área próxima do mangue e desde menino testemunhou as condições de vida adversas do homem. O ciclo do caranguejo, as pessoas que viviam comendo resto de alimentos, que comiam caranguejo, que também comia resto de alimentos. Cresceu, estudou medicina e tornou a fome uma bandeira para sua causa. Um homem muito inteligente, falava cinco línguas e lia muito sobre sociologia, antropologia, política, economia, ecologia e com isso formou um conhecimento que faz sua obra sobre o problema da fome no Brasil e no mundo sejam ainda clássicos. O livro Geografia da Fome, Geopolítica da Fome, o Livro Negro da Fome, Fisiologia dos Tabus, Homens e os Caranguejos foram editados em vinte cinco países. Josué influenciou muito na minha formação, pesquisa e pensamentos.