Entrevista | Catarina Oliveira
No Brasil já estão valendo as novas regras para adoção. Sancionada pelo presidente Lula em agosto e em vigor desde outubro de 2009 a Lei 12.010/09 altera os trâmites anteriores de adoção. Uma das mudanças diz respeito à permanência do menor em abrigos que, a partir de agora, não deve ultrapassar o prazo de dois anos, salvo em casos especiais. As novas regras também preveem preparação prévia dos futuros pais e acompanhamento familiar pós-acolhimento da criança ou adolescente, entre outras medidas. Em entrevista à revista Asces em foco, a diretora da comissão científica do Instituto Brasileiro de Direito da Família (IBDFAM) e professora de Direito Civil da Asces, Catarina Oliveira, esclarece e destaca as principais inovações da nova Lei.
Asces em Foco – O que a nova Lei traz de novidades? O que ela significa?
Catarina Oliveira – Em termos práticos, quase nenhuma novidade foi acrescida. No entanto, parece que a tendência já existente, de se priorizar a família consanguínea, agora é dispositivo literal de lei, como se observa na leitura do atual parág. 1º do art. 39 do Estatuto da Criança e do Adolescente ECA, introduzido pela lei 12.010/09.
Por que no Brasil é tão difícil adotar uma criança?
As dificuldades existem por diversos fatores diferentes, seja pelo desinteresse em adotar crianças mais velhas ou do sexo masculino, seja pela burocracia tão típica de nosso modelo judiciário (o que não se pode confundir com etapas necessárias para a adoção, uma vez que se trata de recebimento de seres humanos no seio familiar e, não, de compra de pets para entreter a família).
Além dos entraves judiciais, que outras barreiras existem no processo de adoção?
A maior barreira é o preconceito. Existem milhares de pessoas pagando fortunas em reprodução assistida, mas não consideram a adoção uma opção viável. E quando consideram, desejam imitar a natureza, preferindo apenas bebês, e com características físicas semelhantes às do adotante.
Em relação às crianças que vivem em abrigos, em que a nova lei de adoção pode contribuir para melhorar a situação dessas crianças?
Temos mais de 80 mil crianças em abrigos e, no entanto, uma quantidade mínima com família destituída do poder familiar. Para a grande maioria das crianças que mantém o vínculo, o tempo de estadia em abrigos fica limitado a dois anos, salvo seja comprovada a necessidade que atenda seu interesse prioritário.
Considerando a cultura da sociedade brasileira, de adotar somente bebês – crianças mais velhas dificilmente são adotadas – elas perdiam a chance de ter uma família. E o que a nova lei impõe para acabar com essa realidade?
A lei impõe que seja viabilizada a manutenção ou reintegração de criança e adolescente à sua família de origem, antes de qualquer outra medida e, para tanto, deverão essas famílias, serem incluídas, obrigatoriamente, em programas de orientação e auxílio. Outra medida está na preparação dos postulantes, por parte do poder público, a fim de orientá-los e estimulá-los à adoção inter-racial, de crianças maiores ou de adolescentes com necessidades específicas de saúde ou com deficiências e de grupos de irmãos.
Há também mudanças no cadastro das famílias adotantes. Quais?
A necessidade de um período de preparação psicossocial e jurídica que preceda a inscrição de postulantes é uma delas. Outra mudança está na criação de cadastros estaduais e nacionais de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e de pessoas ou casais habilitados à adoção, com acesso integral das informações cadastrais às autoridades estaduais e federais em matéria de adoção com a finalidade de cooperação mútua para que o sistema funcione a contento.
Como fica a adoção informal?
A adoção informal consiste na entrega, pelos pais, de seus filhos, sem observar os trâmites judiciais necessários. Não haverá punição nesses casos; no entanto, se a pessoa que receber a criança, tentar legalizar a adoção, deverá entregá-la àquele que consta em primeiro lugar no Cadastro de Adotantes, o que talvez, não signifique o melhor destino para ela.
O judiciário está preparado para cumprir essa tarefa?
Acredito que não. No entanto, essa não é uma tarefa apenas do Judiciário. Devolvo a pergunta: será que a sociedade e as famílias estão preparadas para essa tarefa?