Jornalismo não deve corroborar visão do público, diz editor do ‘NYT’
O impacto das “fake News” (notícias falsas) na política e na sociedade contemporânea esquentou um debate no Fórum Econômico Mundial, em Davos. Enquanto uma jornalista russa defendeu a atividade de meios comumente criticados por difundirem informações enviesadas, o secretário de Redação do jornal “The New York Times” disse que aqueles veículos buscam apenas reiterar opiniões pre-existentes do público – jamais questioná-las.
“Uma grande parte da população dos EUA e da Europa se sentiu pouco representada por seus veículos [tradicionais] de mídia e buscou alternativas, o que é legítimo”, afirmou a editora-chefe adjunta da rede de TV russa RT (antes conhecida como Russia Today), Anna Belkina. Já Joseph Kahn, do “Times”, interpretou esse movimento como uma busca do público “por informações que comprovem suas visões”.
“O ‘New York Times’, a BBC e outros não estão dispostos a oferecer notícias que confirmem as posições do público, mas sim a oferecer jornalismo. Quem não acha isso [ratificação das próprias ideias] na mídia tradicional busca alternativas. Mas não é nossa tarefa fornecer notícias falsas a esse segmento”. Segundo a executiva da TV russa, não há fundamento nas acusações de que a rede dissemina notícias falsas e age como veículo de propaganda de Vladimir Putin. “A campanha do [presidente francês Emmanuel] Macron espalhou isso durante a eleição, mas não conseguiu dar um só exemplo de história falsa que tenhamos publicado”, disse Belkina.
Ela também citou a ligação da BBC, emissora pública, com o governo britânico, mas a moderadora da BBC Zeinab Badawi, rebateu. “Não há comparação. A BBC faz regularmente reportagens críticas ao governo britânico.”
Invasão do Iraque
Outro momento de divergência foi protagonizado por Kahn e pelo político paquistanês Bilawal Bhutto, filho da ex-primeira-ministra Benazir Bhutto e líder de um partido de centro-esquerda. Bhutto questionou a veracidade das reportagens sobre a invasão do Iraque pelos EUA, em 2003, com base no argumento de que o ditador Saddam Hussein teria armas de destruição em massa – nunca encontradas. “Como o ‘New York Times’ e a BBC noticiaram o caso das armas de destruição em massa no Iraque? Foi uma completa ficção”, avaliou o paquistanês.
“O caso das armas de destruição em massa é um exemplo de política mentirosa e ruim, não de notícia falsa”, rebateu Kahn. “Eles [repórteres] não sabiam que era ficção no momento em que noticiaram. O processo jornalístico de escrever sobre as armas de destruição em massa não foi um processo de escrever notícias falsas.” O modelo de negócios na área de mídia também foi abordado pelos debatedores. O fundador da Wikipedia, Jimmy Wales, destacou o crescimento no número de assinantes digitais do “New York Times” como um bom sinal. “O público percebeu que precisa pagar pelo bom jornalismo”, observou.
Redes Sociais
Em outro ponto sensível, foi discutido o peso de plataformas como Google, Facebook e Twitter na propagação de notícias falsas – e se elas estariam assumindo o papel de produtoras de conteúdo. Para o fundador da Wikipédia, “são só plataformas”. “Se quero compartilhar algo com um amigo via Facebook, não acho justo responsabilizar o Facebook pelo conteúdo.” Já na visão do secretário de Redação do “NYT”, o “Facebook está no meio de um dilema”: “Eles estão determinados a não ser reclassificados como ‘publishers’. Seria uma responsabilidade muito grande para uma rede de 2 bilhões de pessoas. Teriam de contratar todo ser disponível para assegurar que o conteúdo atendesse aos parâmetros.”
Neste mês, a rede social anunciou alterações no feed – a página inicial dos usuários – que reduzem o espaço para publicações de empresas jornalísticas.
Fonte: Folha de São Paulo