Analistas veem risco em Trump ‘tuiteiro’
Menos de uma semana após assumir a Presidência, Donald Trump usou sua conta pessoal no Twitter para pressionar o líder vizinho Enrique Peña Nieto: “Se o México não quer pagar pelo muro tão necessário, então é melhor cancelar o encontro”. Em questão de horas, o presidente mexicano desmarcou a reunião que teria com Trump cinco dias depois. O episódio elucida a mudança imposta por Trump, que rasgou protocolos diplomáticos desde o primeiro dia ao fazer de seus tuítes a principal forma de manifestação do novo presidente dos EUA.
Desde então, Trump já ameaçou, em 140 caracteres, o Irã – “Está brincando com fogo” -, criticou o México outra vez – “Já tirou vantagem dos EUA por muito tempo” – e o “acordo burro” para que os EUA recebessem “imigrantes ilegais” da Austrália. Disse ainda que a Europa estava uma “bagunça terrível” por não controlar suas fronteiras. As manifestações, que, aparentemente, não possuem qualquer filtro da equipe de Trump, têm deixado diplomatas americanos sob tensão constante, com medo de uma saia justa ainda maior cada vez que o presidente pega seu smartphone.
Há ainda quem tema que a impulsividade se manifeste após o líder deixar uma reunião no “Situation Room”, o salão no subsolo da Casa Branca onde são discutidas questões sensíveis de inteligência. “Não acho que Trump iria revelar uma informação secreta deliberadamente, mas me preocupo que ele não esclareça com seus assessores quais pontos são sensíveis – e ele não parece checar seus tuítes antes de publicá-los”, disse à Folha o especialista em política externa americana Charles Stevenson, da Universidade Johns Hopkins. Para David Fidler, especialista em cibersegurança do Council on Foreign Relations, Trump estabeleceu a “tuíteplomacia”, que quebrou toda a dinâmica tradicional da diplomacia americana.
“A ’tuíteplomacia’ cria um risco para a política externa americana ao enfurecer ou confundir outros países sobre as posições dos EUA”, afirma. “Também torna o trabalho dos diplomatas mais difícil porque todo seu trabalho pode ser desfeito ou complicado de forma significativa por outro tuíte de Trump.” O comportamento se assemelha ao de líderes e ex-líderes latino- americanos populistas como Nicolás Maduro e o próprio Hugo Chávez, na Venezuela, e Cristina Kirchner, na Argentina – mas com potencial de impacto maior. Até mais do que no campo externo, a quebra de protocolo de Trump em sua conta sobre temas domésticos tem sido amplamente criticada.
Na última semana, uma mensagem criticando a empresa Nordstrom por parar de vender a linha de roupas de sua filha Ivanka mostrou que Trump ainda não separa a liturgia da Casa Branca dos negócios de sua família. A mensagem, escrita em seu perfil pessoal (@realDonaldTrump) foi reproduzida no perfil oficial do presidente dos EUA (@POTUS). Assim como têm sido replicadas na conta oficial do chefe de Estado críticas e ameaçam a juízes, jornais, emissoras e opositores políticos.
“Simplesmente não acredito que um juiz possa colocar nosso país sob tamanho risco. Se algo acontecer, culpem a ele e ao sistema jurídico”, escreveu Trump em sua conta pessoal, que tem 24,5 milhões de seguidores. A mensagem estava instantes depois no perfil oficial, que possui 15,2 milhões de seguidores e era usado por Barack Obama até o último dia 19 de janeiro. Com Obama, o primeiro presidente americano a tuitar, o perfil @POTUS manteve um leque de assuntos que iam da promoção de decisões de seu governo a comentários sobre esportes e fotos informais da vida na Casa Branca. As postagens eram bem menos frequentes e sem os ataques constantes de Trump.
A transformação da conta na rede social na principal plataforma de comunicação do presidente dos EUA também se tornou um problema para arquivistas, que têm agora o desafio de monitorar uma conta que não é oficial, mas é usada como tal. Se o perfil pessoal de Trump passar a ser considerado registro presidencial, estará dentro da lei criada para preservar toda a comunicação do chefe de Estado. E, aí, Trump poderá ter que responder pelo simples ato de apagar uma mensagem – como fez quando escreveu “honered” ao invés de “honored” (honrado, em inglês).
Tuiteiro – Chefe
Veja as postagens mais polêmicas de Trump desde que assumiu a Presidência:
Ameaça cancelar encontro com o presidente mexicano se o vizinho não pagar pelo muro. Peña Nieto cancelou a reunião.
“Os EUA têm um déficit comercial de US$ 60 bilhões com o México. Este foi um acordo que só beneficiou um lado desde o início do Nafta, com um imenso número de empregos e empresas perdidas. Se o México não está disposto a pagar pelo muro de que precisamos tanto, então seria melhor cancelar esta próxima reunião”
Diz que “suposto juiz” tomou decisão “ridícula” ao barrar seu decreto anti-imigração
“A decisão deste suposto juiz, que simplesmente levou embora a força da lei neste país, é ridícula e será revertida!”
Afirma que se algo acontecer no país, a culpa é do juiz e do judiciário
“Eu só não posso acreditar que um juiz possa colocar nosso país em tamanho perigo. Se alguma coisa acontecer, culpem ele e o sistema jurídico. As pessoas estão entrando aos montes. Ruim!”
Defende a filha atacando a marca Nordstrom, que anunciou que deixaria de vender a linha de Ivanka
“Minha filha tem sido tratada de forma muito injusta pela @Nordstrom. Ela é uma grande pessoa, sempre me dá impulso para fazer a coisa certa. Terrível!”
Culpa manifestantes pelo caos nos aeroportos após o decreto vetando cidadãos de sete países
“Só 109 pessoas das 325 mil foram detidas para prestar depoimento. Os grandes problemas nos aeroportos foram provocados por uma pane nos computadores da Delta, manifestantes e as lágrimas do senador [democrata Chuck] Schumer. O secretário [de defesa, John] Kelly disse que tudo está bem com muito poucos problemas. FAÇA A AMÉRICA SEGURA DE NOVO!”
Diz que Irã está “brincando com fogo”
“O Irã está brincando com fogo, eles não estimam o quão generoso o presidente Obama foi a eles. Eu não!”
“O Irã foi formalmente POSTO EM AVISO PRÉVIO por disparar um míssil balístico. Deveriam ter agradecido pelo acordo terrível que os EUA fizeram com eles!”
Ironiza marcha das mulheres
“Vi os protestos de ontem, mas fiquei com a impressão de que nós acabamos de ter uma eleição. Por que estas pessoas não votaram? As celebridades prejudicam muito a causa”
“Protestos pacíficos são a marca registrada de nossa democracia. Mesmo que eu nem sempre concorde, eu reconheço o direito das pessoas de expressar seus pontos de vista”
Ataques à militar presa por vazar documentos
“TRAIDORA ingrata Chelsea Manning, que nunca deveria ter saído da prisão, agora está chamando o presidente Obama de um líder fraco. Terrível!”
Ataques à mídia
“A cobertura sobre mim no @nytimes e no @washingtonpost tem sido tão raivosa que o ‘New York Times’ pediu desculpas a seu decrescente número de assinantes e leitores. Eles me entenderam mal desde o início e ainda não mudaram de rumo, e nunca vão mudar. DESONESTOS!”
“Qualquer pesquisa negativa é uma notícia falsa, assim como as feitas por CNN, ABC E NBC na eleição. Sinto muito, o povo quer segurança nas fronteiras e veto extremo [à entrada de imigrantes]”
Ataques aos democratas
“Nancy Pelosi e Chuck Schumer ‘lágrimas falsas’ fizeram um protesto na escadaria da Suprema Corte e o microfone não funcionou (uma bagunça), assim como o Partido Democrata”
Fonte: Folha de São Paulo