Vanuccio Pimentel é professor da Asces desde 2009, doutor em Ciência Política pela UFPE. Atua como docente na área de humanas da IES, o estudioso tem compartilhado suas pesquisas e análises com relevante absorção pela comunidade. Sua última publicação ocorreu na revista Carta Capital, em seu artigo tratou da atual conjuntura política na esfera federal, a seguir sua análise realizada para a publicação:

Temer: outro presidente para os mesmos problemas

A reforma política se tornou mais do que nunca fundamental. A redução do número de partidos e o fim das coligações proporcionais são questões da maior urgência.

 

O governo que se anuncia hoje está longe de ser um governo de união nacional. Para além de qualquer análise sobre a regularidade ou não do processo impeachment, vou me concentrar nos desafios que o governo Temer deve enfrentar nos próximos meses para construir uma coalizão e garantir governabilidade.

Considero que o governo Temer terá sérias dificuldades de governabilidade, não apenas por causa da mobilização dos movimentos sociais e da base de apoio do governo Dilma, que aparentemente não pretende dar trégua ao novo governo. Mas, exatamente, em virtude dos elevados custos de transação para a formação de uma coalizão no Congresso atualmente.

Parte dos meios de comunicação de massa e da sociedade brasileira acredita que o impeachment da presidente Dilma Rousseff será o fim de uma crise política muito dura. Sustentou-se que o ponto central da crise era a presidente Dilma Rousseff e sua notória inabilidade política, incapacidade de diálogo e de condução da grave crise econômica que o país enfrenta.

Sou cético em relação a esta narrativa. Penso que o problema que vivemos tem profundas raízes institucionais e que escapa completamente da capacidade pessoal de diálogo de um presidente ou de sua habilidade política na construção de uma coalizão de governo.

O presidencialismo de coalizão chegou a um patamar onde os custos de formação de uma coalizão são tão elevados que impossibilitam a governabilidade. Vou me concentrar em três pontos:

1) Os custos de transação para a formação de coalizões tem sido cada vez maiores, pois o nível de fragmentação partidária tem elevado significativamente a necessidade de coalizões. Nesta legislatura, por exemplo, o maior partido na câmara não tinha sequer 14% das cadeiras na Câmara dos Deputados.

A ciência política já constatou a elevação do custo das coalizões especialmente a partir do primeiro governo Lula no qual a fragmentação partidária se elevou bastante em comparação aos governos de FHC. A fragmentação partidária seguiu ascendendo no segundo governo Lula e no primeiro governo Dilma nos quais as coalizões foram amplas e bastante heterogêneas.

Estes elevados níveis de fragmentação repercutem diretamente no nível de vulnerabilidade do presidente, o que também explica parte da incapacidade de Dilma de construir uma coalizão estável.

2) Para além destes custos da fragmentação partidária, mais facilmente captados pela ciência política, é preciso agregar outros custos que metodologicamente são mais difíceis de capturar: a crônica dependência do presidencialismo de coalizão da distribuição de ministérios, cargos e da manutenção de uma série de práticas ilícitas para a construção e manutenção das coalizões.

Há uma falsa impressão de que os escândalos de corrupção envolvendo recursos públicos desviados de empresas estatais se constituem em uma prática política do PT. Há setores na oposição, na imprensa e até no judiciário que reproduzem esta visão partidarizada dos eventos.

É um engano considerar que este tipo de prática não está vinculada estreitamente ao presidencialismo de coalizão. A distribuição de cargos, ministérios e empresas estatais a partidos se tornou essencial para a sobrevivência da coalizão no Congresso.

Sempre se soube que coalizões tão amplas e heterogêneas não poderiam se formar por identificação ideológica ou programática, logo também não é possível mais acreditar que estes escândalos não tenham raízes institucionais e que se trata apenas de um modus operandi de um partido.

3) Há também um elemento conjuntural que considero ser importante para a elevação dos custos de uma coalizão: O clima de salve-se quem puder que existe hoje no Congresso.

Muitos parlamentares estão seriamente envolvidos em escândalos de corrupção, os levantamentos variam na quantidade de parlamentares envolvidos em esquemas, mas é certo que parte significativa do Congresso tem problemas com a justiça.

A operação Lava Jato e a Zelotes já evidenciaram a participação de inúmeros parlamentares e a prioridade de muitos é salvar-se das garras do STF, do juiz Moro e da Polícia Federal.

A sensação de que o foro privilegiado não garante impunidade a mais ninguém está presente entre os parlamentares. Desde a prisão do senador Delcídio e do afastamento de Eduardo Cunha esta sensação está nas alturas.

Garantir proteção também será parte crucial de qualquer acordo de apoio ao governo o que tende a elevar ainda mais os custos, pois este parece ser um preço que nenhum governo tem condições de pagar.

Somando-se os três fatores considero que os custos de formação de uma coalizão foram elevados à estratosfera. Diante disso, qual a capacidade que o governo Temer tem de formar uma coalizão estável?

O governo já nasce com baixa popularidade e com problemas de legitimidade interna e externa e isso tende a retroalimentar a ingovernabilidade e ampliar dificuldade de aprovar medidas polêmicas no Congresso. Não há mais como apelar para as habilidades políticas e pessoais de um presidente para construir uma coalizão nestas condições.

A reforma política se tornou mais do que nunca fundamental. A redução do número de partidos no Congresso e o fim das coligações proporcionais são questões da maior urgência. Temo que estes problemas não sejam resolvidos ou encaminhados em um governo Temer.

 Fonte: Carta Capital