Lei que regulamenta emissão de gases no Brasil precisa ser revista
A legislação brasileira que regulamenta os parâmetros de emissão de gases poluidores na atmosfera foi criada no início da década de 1990, mas 70% do conhecimento científico em poluição e saúde no país foi produzido após essa data.
A preocupante contradição foi apontada por Paulo Afonso de André, pesquisador do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), nesta terça-feira (26/8), em São Paulo, durante o 15º Congresso Brasileiro de Meteorologia, evento promovido até o dia 29 pela Sociedade Brasileira de Meteorologia.
“Ao pesquisarmos em publicações científicas, focando no tema da poluição e saúde, concluímos, pelo número de artigos encontrados, que a legislação ambiental atual, que precisa de atualização, foi produzida com o conhecimento gerado até o fim da década de 1980, que representa menos de um terço do que se sabe hoje sobre o assunto”, disse André à Agência FAPESP, logo após proferir a palestra “Meteorologia urbana e saúde”.
A legislação ambiental em vigor no país, segundo ele, determina os parâmetros de qualidade do ar que devem ser monitorados, entre os quais a exposição ao material particulado (PM, na sigla em inglês), uma mistura de partículas líquidas e sólidas em suspensão no ar classificadas de acordo com o seu diâmetro. A norma ambiental determina como máxima a exposição a partículas inaláveis PM 10, que têm diâmetro inferior a 10 mícrons.
A Organização Mundial da Saúde (OMS), por outro lado, recomenda o monitoramento da qualidade do ar nas grandes cidades por meio de partículas em concentrações PM 2,5, entre outros parâmetros. “Esse valor ainda não é considerado pela legislação brasileira, apesar de, para a comunidade científica, ser uma realidade há mais de dez anos”, apontou.
André, que é coordenador do Núcleo de Equipamentos e Projetos do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da FMUSP, explicou que a maioria dos estudos de monitoramento ambiental no país já segue a concentração PM 2,5, pois se sabe que essa é a fração de poluição do ar capaz de penetrar no aparelho respiratório, podendo atingir os brônquios e os alvéolos pulmonares e causar doenças como asma, bronquite e enfisema pulmonar.
“Por outro lado, sabemos que boa parte das partículas inaláveis de PM 10 é retida pelos sistemas de defesa do organismo humano. Hoje, o PM 2,5 é mandatório nas pesquisas em saúde e, dependendo da revista científica, não é nem permitida a publicação de resultados de estudos com PM 10”, afirmou.
O pesquisador lembrou que, enquanto os cálculos científicos de risco da poluição do ar para a saúde humana são feitos com base em PM 2,5, a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), ligada à Secretaria do Meio Ambiente do governo de São Paulo, tem como base os instrumentos legais e segue o PM 10 como parâmetro de monitoramento da qualidade do ar das cidades.
“A Cetesb tem feito monitoramentos exploratórios em nível de aprendizado com base no PM 2,5, uma vez que todos sabem que aí mora um grave problema ambiental e que, esperamos em breve, a legislação brasileira deve mudar. Mas, por enquanto, a obrigação é monitorar seguindo o padrão legal de PM 10”, disse.
Segundo André, calcula-se que o PM 2,5 represente cerca de 50% das partículas inaláveis de PM 10. “A legislação ambiental precisa ser atualizada para que o monitoramento do ar seja realizado apenas com base nessa concentração prejudicial de interesse. Hoje, os resultados são mascarados em parte porque os órgãos competentes devem medir o elefante inteiro, enquanto apenas seu rabo causa o efeito prejudicial”, comparou.
Os pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP desenvolvem uma série de estudos sobre o assunto a partir do monitoramento das principais regiões metropolitanas do país. “São áreas que, invariavelmente, têm um perfil de poluição urbana devido à participação significativa da frota de veículos automotivos”, apontou.
Estima-se que a exposição à matéria particulada, mesmo em níveis considerados seguros pela legislação ambiental, esteja associada a aproximadamente 800 mil mortes anuais causadas por doenças cardiorrespiratórias em todo o mundo, principalmente em crianças e idosos, das quais 35 mil ocorrem na América Latina.
Com informações da Agência FAPESP