Lente de aumento sobre as injustiças ambientais
O que têm em comum o processo de criminalização sofrido pelos índios xukurus, no agreste pernambucano, a luta empreendida pela Via Campesina e pelo Movimento das Mulheres Camponesas contra a monocultura do eucalipto, no Espírito Santo, e a inundação de seis mil hectares de Mata Atlântica pela Usina Hidrelétrica de Barra Grande, no RioGrande do Sul? Os três conflitos estão entre os listados no Mapa da Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, lançado em maio na Ensp/Fiocruz.
O mapa, resultado de projeto desenvolvido em conjunto pela Fiocruz e Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), com apoio do Ministério da Saúde, apresenta cerca de 300 conflitos em todo o país e tem como objetivo “apoiar a luta de inúmeras populações e grupos atingidos/as em seus territórios por projetos e políticas baseadas numa visão de desenvolvimento considerada insustentável e prejudicial à saúde”, lê-se na apresentação do Mapa.
A ideia fundamental é que existem grupos populacionais vulneráveis aos processos políticos, econômicos e culturais que geram discriminações e desigualdades relacionadas à distribuição dos benefícios e danos do desenvolvimento, explica Marcelo Firpo Porto, coordenador do projeto. “Justiça ambiental tem a ver com um modelo de desenvolvimento mais equânime na produção de benefícios, riscos e danos, e também com políticas públicas que atuem nesta direção”, explica o pesquisador.
A ferramenta é baseada na conjunção dos conceitos de promoção da saúde e justiça ambiental, que incorpora a defesa dos direitos humanos fundamentais, a redução das desigualdades e o fortalecimento da democracia na defesa da vida e da saúde. Isso engloba, igualmente, o direito à terra, a alimentos saudáveis, à democracia, à cultura e às tradições, em especial das populações discriminadas.
A partir deste princípio, o mapa dá visibilidade a denúncias feitas pelas próprias populações atingidas — com suas demandas, estratégias de resistência e propostas de encaminhamento— e que são selecionadas a partir de sua relevância socioambiental e sanitária e da seriedade e consistência das informações apresentadas.
Como fontes de informação, o mapa utiliza principalmente documentos públicos oriundos de entidades e instituições: reportagens, artigos e relatórios (técnicos, acadêmicos ou jurídicos) que apresentem suas demandas e problemas. Marcelo lembra que as informações devem ser vistas como dinâmicas e em processo de aperfeiçoamento, já que o mapa será atualizado a partir de novas denúncia sou informações mais recentes. “O mapa está aberto para informar, receber denúncias e monitorar as ações dos diversos níveis do Estado tomadas a respeito”, diz o pesquisador.
Qualquer cidadão, movimento social ou grupo acadêmico pode contribuir para ampliar o mapa, mas, como frisa Marcelo, a denúncia deve ter caráter coletivo, de movimento por justiça ambiental. “O que esperamos é que o mapa possa contribuir para que as áreas de vigilância à saúde —incluindo vigilância epidemiológica, vigilância sanitária, saúde indígena e das populações negras — incorporem uma promoção da saúde que envolva os determinantes sociais”, explica. “É um retorno ou uma busca do vínculo das raízes da saúde coletiva e da Reforma Sanitária brasileira com os movimentos sociais”.
As discussões relativas à justiça ambiental tiveram início ao longo dos anos 1990, no Brasil, observa Marcelo Firpo. Em 2001, foi realizado o primeiro colóquio internacional sobre saúde, cidadania e justiça ambiental, reunindo representantes de movimentos sociais e do meio acadêmico — do Brasil e outros países da América Latina e dos Estados Unidos. Após o encontro, foi redigida a Carta de Princípios da Justiça Ambiental e criada a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (www.justicaambiental.org.br), lançada no Fórum Social Mundial de Porto Alegre, em 2002, que funciona principalmente em ambiente virtual, promovendo o intercâmbio de informações e experiências e reunindo textos e documentos. “A rede é o principal elemento de agregação, de discussões e embates entre movimentos sociais, ambientalistas e acadêmicos em prol da justiça ambiental no Brasil”, diz Marcelo Firpo.
Por meio da rede, é possível amplificar “lutas específicas”, como a em favor do banimento do amianto, substância química cancerígena ainda usada no Brasil; ou contra o uso de agrotóxicos; ou, ainda, as que ampliam questões das populações indígenas e aquelas a favor de um processo mais democrático no licenciamento da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, por exemplo. “É uma plataforma para várias lutas locais, bem como para abaixo-assinados e campanhas”.
Como consultar
Há duas maneiras de se consultar o Mapa da Injustiça Ambientale Saúde no Brasil: escolhendo o assunto (busca por palavra-chave) ou a unidade da federação — estado ou Distrito Federal — que se quer pesquisar (busca por UF). Caso a escolha seja por assunto, é possível procurar conflitos por população (indígenas, operários, quilombolas, agricultores familiares, moradores de encostas, ribeirinhos, pescadores e outros), por área específica (caatinga, cerrado, litoral etc), pelo tipo de dano à saúde (contaminação por chumbo, desnutrição, violência física, uso do amianto, entre outros) ou pelo agravo ambiental (desmatamento, queimada, contaminação do solo e das águas por agrotóxicos, por exemplo).
Essas consultas por palavra-chave geram uma lista de conflitos relativosao tema escolhido. Ao clicar em um dos itens da lista, o sistema localiza-o no Mapa. Com um clique sobre o conflito localizado, aparecem informações gerais (municípios e populações atingidas, riscos e impactos ambientais, problemas de saúde relacionados) sobre ele. Na ficha completa, o mapa oferece sínteses do caso e as fontes de informação sobre o conflito.
Se a consulta for por UF, o sistema gera um mapa da unidade escolhida, em que estão localizados os conflitos relativos a ela. Clica-se em um desses pontos e, a partir daí, o processo é o mesmo.