Na sociedade do consumo, valores humanos têm sido deixados de lado em detrimento dos bens materiais. Nesse contexto, a socióloga Vera Araújo, docente da Universidade de Sophia (Itália), defende ideias como a fraternidade, a comunhão e a reciprocidade na economia e nas relações sociais. Em entrevista, Araújo argumenta sobre a necessidade de sistematização prática dos temas para uma vivência ágape e fraterna.

Como a senhora avalia a criação da Cátedra Chiara Lubich de Fraternidade e Humanismo?

Vera Araujo:  Acho que chegou no momento certo não só aqui no Brasil, não só na Itália, mas em muitos países se está estudando exaustivamente o pensamento de Chiara Lubich não só no sentido inovador de uma espiritualidade, mas pelos elementos culturais de grande importância nas variadas disciplinas. Contudo, a criação da Cátedra tem a importância de uma pesquisa cientificamente correta para fecundar o mundo da cultura; a cultura em geral de um pensamento que traz valores muito importantes para a sociedade.

Qual a importância dos valores propostos pela Economia de Comunhão e como ela pode ser implantada na sociedade atual?

A Economia de Comunhão traz para a vida econômica um conceito de uma práxis que é não existente na economia atual, que é a gratuidade. Então, numa economia na qual o que importa é ganhar mais, fazer crédito; trazer um conceito que é profundamente humano numa disciplina que seria de posse humanista e que hoje não é mais, tem um valor de uma revolução. É uma semente nesse muro grande, forte, que é a economia capitalista, de mercado; com seus conceitos bem definidos, um individualismo bem profundo e se botar lá uma semente que fala do humanismo, bem comum; que fala de dignidade; que fala dos pobres; que fala de comunhão então seria daí florescer dentro desse muro.

Na implantação da Cátedra Chiara Lubich de Fraternidade e Humanismo, a senhora participou da mesa redonda que teve como tema: “Comunhão, reciprocidade e agir agápico em economia e nas relações sociais”. O que seria esse agir agápico e como ele pode modificar as relações sociais?

Essa palavra “ágape”, esse agir, esse comportamento agápico, nós pensamos, um grupo de sociólogos, pensamos num paradigma, um conceito que nos ajudará a ler melhor certos fatos e certas relações que acontecem na sociedade. Quantas vezes nós vemos um ato de amor puro na sociedade? De uma mãe com um filho, de um médico com o paciente, de um desconhecido que na rua vê uma pessoa caída, vai e ajuda, como é que você analisa esse fato? Com que conceito ajuda? Então nós pensamos que podia ser o agir agápico e começamos a trabalhar esse agir agápico, quer dizer, para encontrar quais são os seus conteúdos, os seus limites, como a gente pode mudar, pesquisar e ver como tudo isso acontece na sociedade e acontece em todas as sociedades. É um conceito universal.

As pessoas têm a idéia de que para trabalhar com valores humanos é necessário fazer grandes ações ou participar de determinados movimentos sociais. Como a fraternidade pode ser posta em prática no dia a dia pelas pessoas comuns?

Se nós estudássemos bem a História da sociedade onde estamos, nós veríamos que tudo começa no corriqueiro. Tudo começa no cotidiano, nas ações cotidianas das pessoas  umas com as outras – depois isso  pode  mudar, se transformar numa ação social, e então num movimento social. Aí o movimento leva a derrubar instituições que já existem e fazer nascer outras instituições que sejam mais correspondentes às ideias que os movimentos sociais estão colocando. Mas, tudo começou no dia a dia, nos lugares da sociedade, na família, na empresa, no Estado, nas repartições públicas, nos ônibus, por aí. Então, a fraternidade é o cimento, é o chão da vida social.

De que forma ideias como a ágape e a dádiva podem inspirar comportamentos e dinâmicas coletivas?

Uma ação provoca uma reação. Então, a reação pode ser boa, pode ser péssima e pode ser ótima. O importante é a ação, começar a ação. Por isso que se fala em ação da fraternidade, mas depois ela vai provocar uma relação e ela vai provocar ainda mais: uma interação. Então, tudo isso são dinâmicas sociais. É a sociedade que se move e se move do jeito diferente. As pessoas que vivem a fraternidade, se ela receber a ação negativa, ela pode responder com uma ação negativa. Mas, ela pode responder também com uma ação positiva, certo? E essa ação positiva, o que é que vai provocar naquele que começou como ação negativa? Então tido isso é um dinamismo social que vai mudar aos poucos os comportamentos, a atitudes e até a mentalidade, o modo de pensar das pessoas.

Qual a importância de uma verdadeira reestruturação do conhecimento sociológico e como a disciplina pode contribuir para interpretação da complexidade contemporânea?

Acho que se pensarmos a sociologia, essa sociologia enfrenta os desafios. Enfrenta as coisas que a gente não sabe como vai enfrentar. Então ela nos ajuda a não mudar, ela nos ajuda a entender. Quem vai mudar somos nós e não a sociologia. A sociologia é um instrumento.  Quando eu faço uma mesa, tem  a madeira. E quem faz a mesa é o marceneiro, não é a madeira, mas a madeira é necessária para porque é o instrumento, é base. Então a sociologia, se ela for viva, se ele a está a serviço da sociedade, da humanidade, então ela vai precisar, com os métodos científicos, entender o melhor possível dos desafios  da vida social, na complexidade.