Essa relação é pesquisada há mais de 20 anos, mas só agora foi possível medir os efeitos da escovação diária. Um estudo populacional feito na Escócia mostrou uma forte associação entre a pouca frequência da escovação e o aparecimento de doenças cardiovasculares. As pessoas que escovavam os dentes menos de duas vezes por dia apresentaram 70% mais chances de sofrer infarto do miocárdio, segundo pesquisadores da University College London (UCL), que analisaram o estilo de vida de mais de 11 mil pessoas — monitorando fatores como higiene, hábitos de consumo (como tabagismo) e a prática ou não de exercícios físicos. A média de idade dos entrevistados era de 50 anos. A análise foi baseada na quantidade de visitas ao dentista, no número de escovações por dia, em detalhes sobre pressão arterial e o histórico de doenças cardíacas nas famílias.

Com o cruzamento dos dados, descobriu-se que somente seis em cada 10 pessoas visitavam o dentista a cada seis meses e que 71% escovavam os dentes ao menos duas vezes por dia. Em um período de oito anos, 555 participantes que mantinham os piores hábitos de higiene bucal tiveram sérias doenças cardiovasculares. Destes, 170 morreram. O principal diagnóstico, em 74% dos casos, era de doença coronariana. Foi isso que fez os investigadores identificarem a associação entre a falta de escovação com os problemas cardíacos.

Um dos pesquisadores é o brasileiro César de Oliveira, que mora em Londres desde 1996. Lá, ele cursou mestrado, doutorado e pós-doutorado na University College London, onde realizou o estudo com Richard Watt e Mark Hammer. Em entrevista ao Estado de Minas, Oliveira explicou como a má escovação influencia no aparecimento de doenças do coração. “As pessoas que escovam os dentes com menos frequência apresentaram mais inflamação gengival, devido ao acúmulo de placa bacteriana, e, consequentemente, o desenvolvimento da doença periodontal (infecção oral crônica)”, conta. O problema é que esse quadro inflamatório bucal crônico é prolongado, e muitas vezes, não é tratado. Isso, então, contribui para um aumento da inflamação sistêmica e afeta a condição cardiovascular.

De acordo com o pesquisador brasileiro, há duas teorias sobre como uma inflamação localizada — no caso, a doença periodontal — afetaria a saúde sistêmica. A primeira é “a entrada na corrente sanguínea das bactérias causadoras da doença periodontal e de seus produtos tóxicos por meio de áreas de ulceração do epitélio gengival”. O resultado é uma resposta do sistema imunológico que produz inflamação.

“A segunda teoria de como uma inflamação pode afetar a saúde sistêmica se trata da entrada na corrente sanguínea dos mediadores inflamatórios produzidos na bolsa periodontal (o espaço entre a gengiva e os dentes)”, esclarece Oliveira.

O dentista Emílio Barbosa ressalta a importância da associação feita pelos pesquisadores. “O corpo é integrado, não dá para pensar que, se ocorrer algo na boca, isso vai ficar só lá. É necessário pararmos de agir setorialmente”, alerta Barbosa. “A gente realmente tem que considerar a questão do fumo, do estresse, do diabetes e da obesidade. Tudo está relacionado com a saúde bucal de alguma forma.”

Para o cardiologista do Hospital do Coração do Brasil André Medina, é importante que se leve em conta outros fatores, além da escovação dos dentes. “A gente também tem que considerar a pressão, o diabetes, o tabagismo, o nível de atividade física e o colesterol de cada pessoa”, diz.

Dados

Na última assembleia geral da Organização Mundial de Saúde (OMS) a recomendação foi integrar as medidas preventivas de saúde bucal e geral

A doença periodontal afeta até 50% da população no mundo

De acordo com a Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (Pnad) de 2008, do IBGE, 11,7% dos brasileiros nunca tinham visitado um dentista. Isso significa um total aproximado de 22,1 milhões de pessoas.
Fonte: Estado de Minas